quinta-feira, 12 de novembro de 2015

A Relação entre Revelação e Interpretação

A Bíblia é o livro mais traduzido e
produzido em toda a história da
humanidade. Ela á a grande
responsável pela propagação do
cristianismo com a divulgação
do Evangelho.
2ª Pedro 1:19-21 - “E temos, mui firme, a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que alumia em lugar escuro, até que o dia esclareça, e a estrela da alva apareça em vosso coração, 20sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação; 21porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo”

    A pregação da Palavra de Deus vai muito além do seu ensinamento histórico ou da exposição de regras para a Igreja; ela inclui a revelação da vontade de Deus para os dias atuais tanto de forma individual quanto coletiva. A Bíblia não é um mero livro de história ou um manual legalista. Seu efeito na mente e na vida do leitor e do ouvinte não tem explicação natural, porque sua ação é sobrenaturalmente controlada pelo Espírito Santo (1ª Co 2:11-14; Hb 4:12), pois é Ele quem abre o entendimento do homem (1ª Jo 2:27), o aproxima de Deus (Rm 8:26), o convence do pecado (Jo 16:7,8), o capacita (1ª Co 12:4,7,11), o faz lembrar de tudo quanto ele aprendeu (Jo 14:26) e o impulsiona a falar (Mc 13:11). Quando o ministro da Palavra está realmente direcionado pelo Espírito Santo, a mensagem que ele transmite vai de encontro à necessidade de cada espectador do público presente, servindo de orientação em sua vida pessoal, sendo por ele entendido de acordo com sua fé e recepção a ela, considerando-a como uma autêntica profecia vinda diretamente de Deus. Essa revelação é tão maravilhosa que, por exemplo, um mesmo versículo pregado várias vezes pode transmitir várias mensagens diferentes sem perder o seu sentido original; somente a Bíblia Sagrada tem esse poder. Mas é claro que a ação sobrenatural do Espírito Santo não exclui do homem a responsabilidade de uma interpretação racional do texto, porque uma passagem bíblica mal explicada resulta em muito mais do que um mal ensinamento: ela pode confundir o ouvinte em relação à sua aplicação em sua vida pessoal.

    Em busca de uma revelação por meio da Palavra, muitas pessoas têm por costume o ato de abrir a Bíblia e ler “aonde cair” considerando aquele versículo - ou versículos próximos - como uma mensagem divina em resposta direta à sua situação no momento. Quanto a isso, é óbvio que não se pode ignorar que Deus fala de várias maneiras e, de acordo com a fé da pessoa, possa sim vir a lhe responder dessa forma; no entanto, jamais se poderia recomendar essa prática porque muitos a exerceriam - como já a exercem - sem nenhuma espiritualidade como se a Bíblia fosse simplesmente um livro mágico e a sua consulta como uma simples leitura de algo tão falso e banal quanto o signo, por exemplo. Em momentos de necessidade, ou de simples desejo de meditação, o melhor mesmo é orar e procurar ler nas Escrituras Sagradas algum texto que lhe venha a sua memória e mexa com o seu coração que, sem dúvida nenhuma, Deus falará contigo da mesma forma.

    A multiforme[1] maneira de Deus se dirigir ao homem vai além da nossa ética[2] ou costumes. Embora Ele se agrade - e exija - que haja decência e ordem no que se refere às coisas sagradas, o Senhor muitas vezes toma atitudes surpreendentes em sua comunicação conosco. A Bíblia registra vários fatos que comprovam isso: enquanto com Noé, Abraão, Moisés e com outros profetas Ele falava audivelmente, em algumas situações específicas, para falar com José, Ele se manifestava por meio de sonhos (Gn 37:5,9a); para falar com Jeremias, Ele o levou à uma olaria (Jr 18:2,6) e em outra ocasião usou uma vara de amendoeira e uma panela (Jr 1:11-14); para falar sobre a rebeldia de Israel, Ele permitiu a morte da esposa do profeta Ezequiel (Ez 24:15-24); para falar sobre a importância de se ter fé, Jesus secou uma figueira (Mt 21:19-21); enfim, várias são as formas de Deus falar com o homem.

    Assim sendo, sabemos que nos dias atuais não tem sido diferente, pois nem sempre Ele fala pelos meios naturalmente esperados como, por exemplo, simplesmente pela Palavra pregada ou ensinada, ou usando alguém claramente através do dom de profecia. Há momentos que sentimos sua “voz” nos despertando por meio de uma paz, uma alegria ou um incômodo ou uma tristeza em nosso coração mediante a uma atitude que estejamos planejando ou algum ato que já estejamos cometendo; essa é a ação do Espírito Santo nos orientando. Muitos podem não crer dessa forma, mas a pregação da Palavra é sim um meio de Deus nos orientar de modo individual, pois além do ensinamento que ela nos traz sobre a vontade divina, por mais pessoas que haja num ambiente, podemos entende-la de uma maneira com que identifiquemos sua mensagem com nossa situação particular. Imagine um homem pensando em investir em algum negócio para melhorar sua situação financeira, mas sem saber no quê; de repente, ele ouve um pastor pregando no texto de Marcos 9:50, cujo início diz “bom é o sal” e, no mesmo momento, somente com essa primeira parte, em meio a centenas de ouvintes, apenas ele entende dessa forma e resolve investir em sal e em pouco tempo se torna um grande empresário nessa área; esse testemunho é verídico e há vários outros semelhantes. Para qualquer crítico que analise ao pé-da-letra é óbvio que, pela mensagem em si falar sobre conduta cristã, essa interpretação está totalmente fora de contexto; no entanto, deve-se considerar que sendo o Criador soberano tem sim Ele poder sobre a mente e o sentimento de suas criaturas, assim podendo faze-las compreender sua vontade de alguma maneira, ainda que de forma inusitada. Consideremos ainda que não foi o pregador que interpretou o texto dessa forma - pois isso seria de fato uma heresia -, mas o próprio ouvinte que foi levado pelo Espírito Santo a assim absorver a mensagem.

    Tanto na pregação da Palavra, quanto na profecia entregue por terceiros, como audivelmente de forma direta em seus ouvidos ou em sua mente, o crente espiritual consegue discernir - mesmo que não seja de forma sobrenatural - se é Deus ou não quem está falando. Pois, além da fé ou das coincidências contidas na mensagem, o cristão que tem sabedoria, por saber que o Senhor é onisciente[3], silenciosamente, fala com Ele em seu pensamento e lhe pede um sinal que venha a confirmar ou desmenti-la, podendo inclusive lhe fazer entender sua origem: divina, diabólica ou humana. Um crente realmente espiritual não é enganado por qualquer discurso ou circunstância (At 5:3,9), porque ele sabe que qualquer pregador ou “profeta”, como também ele próprio, está sujeito a equívocos ou mesmo à corrupção e, por essa razão, prioriza o conhecimento das Escrituras, cujo conteúdo não possui engano ou erro algum; sua interpretação apenas depende da fidelidade de quem a lê e a expressa.

    Interpretar corretamente a Bíblia envolve amor, temor[4] e seriedade, como também boa vontade no esforço pela busca ao conhecimento. O temor a Deus é o princípio do conhecimento e da sabedoria; os loucos desprezam a sabedoria (Pr 9:10); os que o temem alcançam conhecimento sobre as coisas espirituais, como também prudência sobre sua conduta (Pr 15:33); quem o reverencia verdadeiramente se mantém humilde e conquista honra (Pr 1:7). Tudo isso significa que manusear e interpretar o Livro Sagrado exige mais do que todos os elementos desenvolvidos pelas faculdades humanas nos quais estão incluídos a hermenêutica e a oratória; pois, embora sejam eles de extrema necessidade, sem o temor ao Dono da sabedoria, seu conteúdo se torna oculto aos seus olhos (Mt 11:25; Mt 13:10-15; Is 6:9,10). Deve-se ter em mente que transmitir uma mensagem em nome de Deus é muito mais do que dizer que acredita nisso ou naquilo, mas sim saber que está usando o nome do Todo-Poderoso dizendo palavras que o ouvinte está recebendo como promessas do Mesmo. Já imaginou ser cobrado por Ele por ter falado em seu nome coisas que Ele não mandou (Jr 14:14-16; 23:21,25,26,30-32; Mt 7:21-23)? Muitas vezes - praticamente em todas - o melhor mesmo é simplesmente ler e explicar os textos sagrados deixando sua revelação por conta do Espírito Santo em cada coração em particular.

    Ainda no que se refere à interpretação das Escrituras Sagradas, como bem sabemos, elas não são meros relatos históricos ou um livro de regras, mas relatos da história do relacionamento de Deus com o ser humano que nos ensina regras de conduta que agradam a Ele. Não se trata também de um livro mágico que, como uma bússola, aponta a “direção para o norte” simplesmente pelo fato de ter sido consultada ou que “traz sorte” apenas pelo fato de estar aberta no Salmo 23 ou 91 - um costume idólatra e de expressão supersticiosa praticada até por alguns crentes -. O conteúdo da Bíblia Sagrada transmite conhecimento e orientação pessoal àquele que o lê crendo com uma fé verdadeira e um coração puro, totalmente disposto não somente a entende-lo, mas, principalmente, a obedece-lo.

    A função de um pregador ou ensinador cristão é fazer com que seu público - tanto coletivo como individual - atinja os seguintes objetivos: compreender a história; saber que o Deus da história não mudou; Entender que embora não tenha mudado, o Deus da história pode agir com o mesmo poder em sua vida, mas sem repetir a história dos personagens bíblicos; nem todos os fatos ocorridos nos textos bíblicos são doutrina para a Igreja - porque geralmente relatam apenas costumes de época -, mas sim são exemplos de conduta as quais devemos seguir; doutrina é um conjunto de regras que expressam a vontade divina de um modo generalizado e é definida de acordo com os costumes de cada denominação ministerial; comparar tudo o que ouvir com o conteúdo das Escrituras ali exposto, pois os líderes cristãos são homens sujeitos a falhas; buscar discernimento espiritual por meio da oração para poder identificar essas possíveis falhas; saber que sentir a presença de Deus não se resume em reações emocionais ou físicas, mas principalmente num despertamento do entendimento de forma que seu sentimento se torne mais temeroso à revelação bíblica; despertar um senso crítico e moderado e não uma fé cega e irracional; provocar o desejo da aplicação do conteúdo da mensagem em sua vida pessoal. Quando há essa relação entre revelação e interpretação, o objetivo da ministração da Palavra foi devidamente cumprido.




[1]Multiforme: Muitas formas. Que tem rica variedade; multíplice. Que tem muitas formas ou aspectos. Que se manifesta de várias maneiras; multímodo.
[2]Ética: Conjunto de princípios morais que se devem observar; é o que indica as normas a que devem ajustar-se as relações entre os diversos membros da sociedade. Bom senso.
[3]Onisciente: Quem tem onisciência (perfeito conhecimento sobre todas as coisas). Virtude atribuída apenas a Deus.
[4]Temor: Medo. Respeito. Reverência.

Como Identificar e Interpretar os Textos Bíblicos

O êxito na exposição da Palavra
de Deus exige mais do que
habilidade humana: seu bom
desempenho requer do orador
uma intimidade com o Dono da
mensagem; no entanto, por falta
de discernimento espiritual,
muitos estão sendo enganados por
ministros mal intencionados ou
despreparados que fazem uso de
técnicas para substituir a busca
pela verdadeira unção espiritual.
Romanos 15:4 - “Porque tudo o que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança”

    Seja para pregar, ensinar ou simplesmente meditar, o leitor, ao examinar a Bíblia deve ter muito cuidado; pois, embora seja ela a Palavra de Deus, o qual é imutável, é necessário entender que cada passagem se refere a situações diversas, o que envolve diferenças de época, de ambiente, de costumes e de nível de conhecimento, detalhes esses que influenciam na ocasião, na forma, na linguagem e até na razão pela qual cada mensagem foi enviada. A aplicação de texto fora do contexto[1], sendo ela intencional ou não, é a mãe de todas as heresias[2], como também das apostasias[3]. Para entender melhor sobre a identificação e a interpretação dos textos bíblicos é essencial a análise dos seguintes fatores relacionados a seguir:

A diferença entre o Antigo e o Novo Testamento
    Em resumo, o Antigo Testamento possui quatro tipos de mensagens: informações históricas sobre a criação da terra e dos seres viventes, a revelação sobre a pessoa de Deus e o seu caráter, a Lei entregue ao povo de Israel por meio de Moisés e as profecias messiânicas[4] e escatológicas[5].
a)      Na história da Criação aprendemos sobre a origem da nossa vida e podemos ver até através da ciência a confirmação da autenticidade da Bíblia;
b)   De Gênesis à Malaquias há relatos que incluem, por meio da história dos israelitas, através das profecias e dos milagres ocorridos entre eles, ensinamentos e lições cabíveis aos dias atuais sobre o relacionamento entre Deus e o homem;
c)    No que se refere à Lei Mosaica, embora haja pontos que se refiram exclusivamente à Israel - as leis cerimoniais[6] e as civis[7] -, existem também preceitos[8] morais[9], os quais devemos sim observar atualmente;
d)    Quanto às profecias messiânicas e escatológicas, as mesmas são confirmadas e completadas na Nova Aliança e foram endereçadas diretamente à Igreja.

    Questiona-se muito sobre o fato de devermos ou não pregar ou enfatizar nos ensinamentos as mensagens do Antigo Testamento; quanto a isso, os fatores que se deve realmente levar em consideração são os seguintes: a forma como se deu a Criação não pode ser esquecida, pois ela é a base do conhecimento e da defesa da nossa fé; todas as situações positivas e negativas vividas pelos israelitas nos servem de exemplo sobre que conduta devemos ter para agradar ao Senhor, e os milagres do passado continuam válidos porque Deus é imutável e continua tendo o mesmo poder e a mesma misericórdia. Só o que não devemos é tomar cada uma daquelas situações em particular como “doutrinas” achando que devam acontecer exatamente da mesma forma em nossa vida; as leis aplicadas à Israel, mesmo as que não forem cabíveis à Igreja, nos servem de orientação de procedimento em relação a um caráter santo, saudável e honesto; e as profecias messiânicas e escatológicas são o fundamento de nossa doutrina, as quais nos permitem entender com mais clareza a atuação de Jesus Cristo e a preparação para a sua volta nesses últimos dias. Concluindo, o Antigo Testamento deve sim ser pregado e detalhadamente ensinado nos dias atuais, pois, para nós, a importância do seu conteúdo não é meramente histórica.

    Quanto ao Novo Testamento, o qual seu início demarca a “fronteira” entre a Lei e a Graça, suas mensagens são endereçadas basicamente à dois tipos de público: a Igreja Primitiva e a Igreja atual. Vejamos a diferença entre ambas:

    No que se refere à Igreja Primitiva, existe, principalmente nas epístolas do apóstolo Paulo, doutrinas concernentes à cultura da época, as quais consideravam o que era lícito ou não em relação aos costumes dos novos crentes, sendo que uns eram de origem judia, como a prática da antiga Lei, e queriam inseri-los no cristianismo, e outros eram de origem gentia, pois tratava-se de pessoas de várias nações que tinham costumes idólatras ou imorais e também queriam inseri-los na Igreja cristã. Ao abordar os assuntos contidos em tais epístolas devemos ter muito cuidado para não apontarmos regras criadas especificamente para aquele tempo de acordo com a situação cultural, social e intelectual de cada comunidade evangélica da época. O que podemos extrair delas são exemplos que confirmam que o Senhor requer de sua Igreja santidade, a qual significa na prática uma vida de retidão de acordo com o seu santo caráter.

    No tocante à Igreja atual, as mensagens endereçadas a ela estão descritas tanto nos evangelhos como também em Atos dos Apóstolos, no Apocalipse e também nas epístolas gerais como ainda nas paulinas. Os quatro evangelhos sinóticos[10] compreendem o nascimento, o ministério terreno e o sacrifício de Cristo; Atos dos Apóstolos contém a história do início da Igreja cristã que foi revestida de poder com o cumprimento da promessa do envio do Espírito Santo; o Apocalipse relata as coisas futuras, incluindo os últimos dias da humanidade na terra e os acontecimentos após o arrebatamento até a descrição da condenação eterna e da morada celestial; as epístolas gerais tratam de exortações variadas sobre a doutrina a ser seguida pelos crentes atuais; e as paulinas que, além de recomendações dirigidas especificamente aos cristãos primitivos, traz também assuntos relacionados à doutrina dos cristãos de hoje.

    O Novo Testamento se inicia ainda na Lei, a qual vai até a consumação do sacrifício de Jesus Cristo. Essa Nova Aliança, que nos é apresentada de forma escrita em 27 livros, não visa anular os efeitos do Antigo Pacto que foi criado para garantir o cumprimento da obediência à Jeová, mas nos mostrar que o sacrifício pelo perdão dos pecados já foi feito na cruz, invalidando a prática de atos sacrificiais para esse fim, o que inclui todas as cerimônias impostas aos antigos israelitas. Porém, a Graça não aboliu os mandamentos, mas sim os resumiu à prática do amor: amando a Deus e ao próximo, estamos cumprindo todos eles, os quais apenas consistem na aplicação desse nobre sentimento de forma espiritual e fraternal. Tanto no Antigo como no Novo Testamento não existe espécie alguma de censura em relação a qualquer parte de seu conteúdo, desde que aplicado de forma coerente por quem prega ou ensina, o qual deve deixar claro o que é doutrina e o que é exemplo que possa ser empregado na exposição da doutrina.

O que é hermenêutica, exegese, etimologia, oratória e homilética
    Existem alguns termos muito mencionados durante os discursos relacionados à Bíblia, mas nem sempre os pregadores e os professores explicam seu significado, e a utilização dos mesmos, em vez de ajudar, acaba é causando desinteresse pelo discurso na maioria dos ouvintes. Alguns desses são a hermenêutica, a exegese, a etimologia, a oratória e a homilética, expressões essas de grande importância não apenas em que saiba seu significado, mas, principalmente em sua aplicação, o que, infelizmente, tem sido muito deixada a desejar por muito dos senhores que ocupam os púlpitos dos templos de modo geral. Então saibamos do que se trata e como usá-los:

Hermenêutica: Essa palavra é originada do verbo grego hermēneuein significando declarar, anunciar, interpretar, esclarecer e traduzir. É derivada do nome de um deus da mitologia grega chamado de Hermes; segundo a tradição da crença dos antigos gregos, ele seria o mensageiro dos deuses e, devido a isso, atribuem a ele o título de patrono da comunicação e do entendimento humano. História à parte, o fato é que a hermenêutica se refere ao entendimento de um texto.
    Biblicamente, o entendimento das Escrituras é a base do nosso conhecimento sobre Deus e as suas leis. A interpretação é essencial e está acima de qualquer revelação espiritual, pois nela não há mudança ou possibilidade de erro: o que está escrito é a eterna Palavra divina. Isso inclui conhecer o texto por completo e saber do que se trata o seu assunto a ponto de poder expô-lo ao público.

Exegese: Do grego exegesthai é um verbo com o sentido de interpretar e explicar. É uma interpretação ou explicação do texto, cujo termo original significa levar para fora, o que expressa a ideia de uma ampla exposição com textos paralelos que proporcionem uma detalhada explicação da situação em si. Diferente da hermenêutica, a exegese consiste em pesquisas de fatos que originaram o assunto do texto em questão. Um exegeta é aquele que estuda profundamente de forma a transmitir com clareza aquilo que quer passar para o público.
    A exegese aplicada na menção de textos bíblicos inclui, seja na pregação ou no ensinamento, a narração da passagem lida com o auxílio de recursos de argumentos referentes ao assunto, tais como a explicação da história que o antecede, sua comparação com outras histórias semelhantes, o uso de conjecturas[11], a utilizaOndulado: Como Identificar e Interpretar os Textos Bíblicosção de ilustrações na medida do possível e, principalmente, versículos ligados ao mesmo tema. Quanto à opinião ou testemunho pessoal do preletor - a eisegese[12] - só devem ser inseridos se o mesmo os expressar de forma racional e equilibrada, tendo o cuidado de não desviar o foco do público que deve ser para o texto bíblico e não para ele.

Etimologia: Sendo originada do grego etymon - verdadeiro mais logos - significa tratado e estudo, ela pesquisa o verdadeiro sentido das palavras explorando os termos que as originaram, revelando sua história e os elementos gramaticais que a compõem, permitindo-nos melhor entender seu significado. Para esse fim, os etimólogos mantêm vivo o estudo de línguas já não mais oficialmente utilizadas por nenhum povo como, por exemplo, o latim.
    Biblicamente, sua aplicação é essencial, pois nos possibilita compreender com mais clareza o porquê da aplicação de determinados termos, os quais utilizamos vagamente em nossa língua e não fazem parte de nossa cultura, e por essa razão não entendemos seu real significado. Muitas das expressões aplicadas nos textos sagrados são resultado da junção entre duas ou mais palavras, as quais sofrem alterações de escritas quando traduzidas para a língua portuguesa. Saber o real significado daquilo que está falando transmite mais segurança ao preletor e ao público.

Oratória: É derivada da palavra orar, que vem do latim orare, que significa pronunciar em forma de ritual; Desde o princípio, tendo o significado de falar, passou a ser mais aplicada com o sentido de falar em público ou discursar. Dessa forma, oratória é o ato de falar. É um conjunto de regras que constituem a arte do bem dizer: a eloquência.
    A habilidade de falar, principalmente em público, é indispensável para a propagação do Evangelho. Esse ato consiste não somente no conhecimento de textos, mas também na capacidade de expô-los verbalmente. Existem diferentes tipos e níveis de oradores: uns com mais e outros com menos desenvoltura; só que mais do que uma ciência a ser aprendida - embora possa ser aprimorada -, a capacidade de se expressar publicamente é um dom que, apesar de muitas vezes se manifestar naturalmente, pode sim ser alcançado por meio da busca espiritual.

Homilética: Do grego homiletikos, é derivada de homilos que significa montar em conjunto; consiste na arte de pregar sermões religiosos, também conhecida como eloquência sagrada. O termo homília representa um discurso com a finalidade de convencer. A arte de falar em público se iniciou na antiga Grécia com o nome de retórica[13].
    Para os pregadores ou mestres cristãos, ela nada mais é do que o domínio da arte de preparar e expor um sermão de pregação ou ensinamento da Palavra de Deus. Sua aplicação consiste em cativar o ouvinte, causando-lhe interesse pela mensagem expressada verbalmente.
    Uma dica importante aos preletores é que caso optem pela utilização desses ou outros termos, que pelo menos façam isso de forma que o público entenda seus significados. E, acima de tudo, aplique-os para não distorcerem os textos sagrados.

Como identificar quando se trata de uma linguagem literal ou de uma figura de linguagem
    A linguagem expressa por meio de figuras[14] é um recurso de escrita de uso bastante comum na Bíblia Sagrada. Seu objetivo é, por meio de símbolos ou exemplos, tornar o texto mais claro para todos os leitores, ou subliminar[15] para que apenas um público específico o entenda. Para podermos identifica-las corretamente, devemos saber quais são elas:

Metáfora: Quando algo ou alguém é considerado como um outro.
Exemplo: “Eu sou o bom Pastor, e conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido (Jo 10:14)”. Literalmente, Jesus não é um pastor e nem seus seguidores ovelhas, mas essa forma de expressão representa de que forma devemos imaginá-lo e agir em relação a Ele.

Símile: Uma comparação com algo semelhante.
Exemplo: “... sou como um vaso quebrado (Sl 31:12b)”. Em seu momento de aflição, sentindo-se inútil, o salmista se compara a um vaso quebrado.

Metonímia: Quando algo ou alguém é considerado como um outro por ter alguma relação com o mesmo.
Exemplo: “Eles têm Moisés e os Profetas (Lc 16:29b)”. Quando Jesus proferiu essa parábola, Moisés e os profetas já eram mortos; com isso, Ele simplesmente se referia a todos os demais que pregavam a Palavra ensinada por Moisés e pelos profetas.

Hipérbole: Usar termos que aumentam ou diminuem exageradamente a situação real.
Exemplo: “...Como água me derramei, e todos os meus ossos se desconjuntaram; o meu coração é como cera e derreteu-se dentro de mim (Sl 22:14)”. É óbvio que um ser humano não pode se derramar como água, nem os seus ossos se desconjuntares ou mesmo seu coração se derreter como cera dentro do corpo simplesmente pelo seu estado de tristeza, mas essa foi uma maneira, ainda que exagerada, encontrada pelo salmista para expressar a tão terrível angústia que estava sentindo.

Ironia: Falar em sentido contrário àquilo que realmente se quer dizer.
Exemplo: Então, disse o Senhor Deus: Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal (Gn 3:22a)”. Logicamente, o homem jamais será exatamente igual a Deus; mas, com isso, Ele apenas quis dizer que por ter comido do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, o ser humano passaria a ter um conhecimento a mais, o qual era proibido à ele, sendo isso um privilégio que somente os seres celestiais tinham acesso.

Antropomorfismo: Atribuir sentidos ou atitudes humanas a Deus.
Exemplo: “... holocausto é, oferta queimada, de cheiro suave ao Senhor (Lv 1:9c)”. Deus não iria literalmente cheirar o sacrifício; essa afirmação apenas demonstra que Ele ficaria satisfeito se esse ritual lhe fosse oferecido de forma correta e sincera.

Tipo: Qualquer cerimônia, objeto ou pessoa que se refira a algum evento futuro.
Exemplo: “E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado (Jo 3:14)”. A serpente de metal colocada sobre uma haste, para a qual as pessoas picadas por cobras olhavam e não morriam pelos efeitos do seu veneno, foi uma das tipificações que demonstravam profeticamente a missão do Messias: salvar os pecadores que cressem nEle, assim neutralizando o efeito mortal - a condenação eterna - causado pelo pecado.

Símbolo: Objeto que representa algo com sentido espiritual.
Exemplo: “...E eu convosco estabeleço o meu concerto, que não será mais destruída toda carne pelas águas do dilúvio e que não haverá mais dilúvio para destruir a terra. 12E disse Deus: Este é o sinal do concerto que ponho entre mim e vós e entre toda alma vivente, que está convosco, por gerações eternas. 13O meu arco tenho posto na nuvem; este será por sinal do concerto entre mim e a terra... (Gn 9:11-13)”. Após o dilúvio, apareceu um arco-íris simbolizando um pacto entre Deus e o homem como garantia de que o Senhor não mais mandaria o dilúvio para destruir a terra.

Alegoria: A utilização de um fato verídico como profecia de um acontecimento futuro.
Exemplo: “Dizei-me vós, os que quereis estar debaixo da lei: não ouvis vós a lei? 22Porque está escrito que Abraão teve dois filhos, um da escrava e outro da livre. 23Todavia, o que era da escrava nasceu segundo a carne, mas o que era da livre, por promessa, 24o que se entende por alegoria; porque estes são os dois concertos: um, do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar. 25Ora, esta Agar é Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus filhos. 26Mas a Jerusalém que é de cima é livre, a qual é mãe de todos nós; 27porque está escrito: Alegra-te, estéril, que não dás à luz, esforça-te e clama, tu que não estás de parto; porque os filhos da solitária são mais do que os da que tem marido. 28Mas nós, irmãos, somos filhos da promessa, como Isaque. 29Mas, como, então, aquele que era gerado segundo a carne perseguia o que o era segundo o Espírito, assim é também, agora. 30Mas que diz a Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque, de modo algum, o filho da escrava herdará com o filho da livre. 31De maneira que, irmãos, somos filhos não da escrava, mas da livre (Gl 4:21-31)”. Esse é um exemplo de como Deus usou a história do nascimento de Ismael e Isaque, os dois filhos de Abraão, para mostrar o que aconteceria com o povo de Israel.

Parábola: Ilustrações elaboradas para exemplificar algo real.
Exemplo: “E disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: 10Dois homens subiram ao templo, a orar; um, fariseu, e o outro, publicano. 11O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou, porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. 12Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo. 13O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! 14Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado (Mt 18:9-14)”. Jesus contou essa parábola para ilustrar o quanto algumas pessoas se julgam superiores condenando o próximo por sua origem, aparência ou maneira não tradicional de servir ou adorar a Deus, não se dando conta de que estão cometendo o terrível pecado da soberba.

    Tais figuras de linguagem possuem um imenso valor no significado de um texto; porém, sua não interpretação ou uma interpretação equivocada, inevitavelmente, provoca sérias consequências porque distorce totalmente seu real sentido ou significado. Para saber se um texto está em linguagem literal ou figurada é essencial a leitura de todo o seu conteúdo, considerando todos os fatores possíveis mediante uma minuciosa análise, ou seja: um detalhado exame de texto e contexto para concluir se ele faz sentido ou não.

    Finalizando nossa análise sobre identificação e interpretação dos textos bíblicos, podemos concluir que o principal fator para um bom entendimento sobre alguma leitura em particular é saber para quem ela foi escrita, e depois sim fazer um detalhado exame sobre o significado histórico e profético do texto. Grande é a responsabilidade dos ministros[16] da Palavra de Deus, tanto é que essa tarefa é recomendada à poucos (Tg 3:1). No entanto, receber esse maravilhoso dom não é motivo para sentir-se atemorizado, mas sim honrado, porque esse é um privilégio dispensado apenas a homens e mulheres em quem o Senhor deposita confiança; pois nem todos são dignos e aptos à nobre missão de transmitir a grandiosa mensagem da salvação (1ª Tm 5:17,18); e saber manejar bem o Livro é mais do que um status, é uma obrigação (1ª Tm 2:15)!


[1]Contexto: Conteúdo do texto. Relação entre o texto e a situação em que ele ocorre dentro do texto. É o conjunto de circunstâncias em que se produz a mensagem que se deseja emitir- lugar e tempo, cultura do emissor e do receptor, etc. - e que permitem sua correta compreensão.
[2]Heresia: Doutrina, muitas vezes praticada de forma inconsciente, que se opõe aos dogmas da Igreja. Absurdo, contrassenso, disparate. Ato ou palavra ofensiva à Deus ou à religião.
[3]Apostasia: Abandono ou desvio público e consciente de uma religião, de uma doutrina, opinião ou da própria fé.
[4]Profecia Messiânica: Profecia relacionada à vinda do Messias (Jesus Cristo).
[5]Profecia Escatológica: Profecia relacionada aos acontecimentos dos últimos dias da humanidade sobre a terra.
[6]Lei Cerimonial: Conjunto de regras que regulamentavam o ministério no santuário do Tabernáculo e, posteriormente, no Templo. Elas tratavam também da vida e do serviço dos sacerdotes e encontram-se descritas especialmente no Livro chamado Levítico.
[7]Lei Civil: Conjunto de regras que regulamentavam um padrão de conduta aos cidadãos em seu convívio na sociedade israelita. Seu descumprimento resultava em penas, geralmente rígidas, que podiam chegar a condenação à morte.
[8]Preceito: Ordem dada para servir como regra geral.
[9]Lei Moral: Conjunto de regras que regulamentavam um padrão moral a ser seguido; consistia no ensinamento de vários princípios básicos envolvendo respeito ao próximo, comportamento sexual e higiene pessoal. Ela definia a conduta do cidadão em relação à família, à sociedade e ao próprio Deus.
[10]Sinóptico: Que se refere ou pertence a sinopse. Diferentes apresentações com o mesmo conteúdo. Os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João são considerados sinópticos porque narram praticamente os mesmos fatos.
[11]Conjectura: Juízo ou opinião com fundamento incerto; suposição, hipótese.
[12]Eisegese: Do grego eisegeses (eisegesis). Consiste em introduzir em um texto alguma coisa que alguém deseja que esteja ali, mas que na verdade não faz parte do mesmo. É o Antônimo da exegese. Ela ocorre quando o leitor procura imprimir ao texto sagrado a sua própria interpretação.
[13]Retórica: Conjunto de regras relativas à eloquência. Livro que contém essas regras. Exibição de meios oratórios.
[14]Figura: Representação por pintura ou escultura de um corpo humano ou de um animal (Lv 26:1), ou de um vegetal (2º Cr 4:3). Jeito; aspecto (1º Sm 28:14). Fiasco (2º Sm 6:20). Comparação (Jo 16:25). Forma; semelhança (Fp 2:7). Tipo (Hb 9:23-24).
[15]Subliminar: Uma mensagem oculta dentro de outra mensagem.
[16]Ministro: Servo (Sl 103:21; Jo 18.36). Empregado (Rm 13:4). Conselheiro; auxiliar (2º Sm 8:18). Pessoa designada para exercer um ministério (2º Cr 29:11; At 26:16). O servo de Cristo que, na igreja, prega a palavra e administra o batismo, a ceia, etc. (1º Co 4:1; Ef 6:21; 1º Tm 4:6). Um administrador.