segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Até que Ponto um Cristão Deve se Envolver com o Sistema Político do País?

Votar ou não votar, não é essa a
questão; afinal, votando ou não,
você tem o dever de ser um bom
cidadão e o direito de fazer valer
aquilo que é obrigação do
Estado. A questão maior que
envolve os cristãos é qual deve
ser sua postura, ou seja, o seu
grau de envolvimento com o
sistema político.
    “Sou de esquerda[1] porque o Evangelho é liberdade!”; “Sou de direita[2] porque a Bíblia é conservadora!”; “Sou governista porque a Palavra ensina que devemos respeitar as autoridades!”; “Sou oposição porque Cristo disse que esse mundo jaz no maligno!”; “Sou neutro porque sou cidadão dos céus!”. Quem nunca ouviu e também nunca repetiu alguma - ou algumas - dessas frases? O poder e a influência política estão cada vez mais presentes na vida dos cristãos, tendo chegado ao ponto de interferir diretamente na Igreja... Ou é a Igreja que está interferindo na política? Políticos nos púlpitos e pastores nos palanques; indução de líderes ministeriais em relação aos votos dos fiéis e participação aberta dos crentes na implantação de leis. No exercício do sufrágio[3], até que ponto devemos ou podemos nos envolver nas questões do Estado, considerando-se que, como cristãos, somos peregrinos[4] na terra (Sl 119:19)? Façamos então uma imparcial análise bíblica para chegarmos a uma conclusão racional - e espiritual - sobre liberdade, conservadorismo, obediência, oposição e neutralidade do cidadão evangélico em relação ao poder público considerando também que a legitimidade da organização política é reconhecida por Deus desde o início (Êx 20:1-17; Dt 16:18-20) e praticada por Jesus (Mt 22:17-21).
    Uma das maiores preocupações em relação ao cenário político é o desrespeito ou mesmo a destruição dos valores da família tradicional, em nome de uma liberdade que desvaloriza totalmente tudo aquilo o que os princípios cristãos ensinam. Dentro desse panorama, há também evangélicos que que acreditam ser radicalismo religioso se opor a isso, pois o avanço cultural e social pede mudança de postura e o cenário atual nada tem a ver com a situação dos tempos bíblicos. Em partes, é mesmo necessário que se compreenda a questão das mudanças em relação a tempos e lugares, porém, algo de maior importância a se considerar é o fato de que Deus não mudou, o que significa que, embora em situações diferentes, seus princípios não mudaram (Tg 1:16,17; Hb 13:8). O liberalismo excessivo propõe o apoio às leis que defendam atos como, por exemplo, o aborto, o “casamento” de pessoas do mesmo sexo e o feminismo. É errado isso? Se para você não houver nada demais em interromper uma vida antes mesmo dela nascer (Êx 21:22,23; Sl 139:16; 1ª Co 3:16,17), assim também como a união conjugal entre dois homens e duas mulheres (Gn 2:18-24; Lv 18:22; 20:13; Rm 1:26,27; 1ª Co 6:9-11; 1ª Tm 4:3), e ainda o domínio da mulher em questões que, por natureza, competem ao homem (Gn 2:22,23; 1ª Tm 2:11-13; 1ª Co 11:8,9; Ef 5:22-24; Cl 3:18; Tt 2:3-5; 1ª Pe 3:1-5), então não há nada de errado não; é só extremismo religioso mesmo (2ª Tm 4:3). Uma das características desse grupo é o comunismo[5]; Cristo era comunista (Lc 12:14,15)? Você já parou pra pensar no que realmente consiste a liberdade em Cristo (Rm 6:22,23)?
    Outro grupo que muito preocupa é o que defende radicalmente o conservadorismo. Estes são defensores intolerantes dos direitos tradicionais que propõem a defesa dos valores - ou do que eles consideram como valores - tradicionais a todo custo. Qual é o problema disso? Estes costumam defender medidas extremas como, por exemplo, a pena de morte, a liberação de armas de fogo para a população e o autoritarismo, isso além de não respeitarem grupos minoritários (homossexuais, presidiários, religiosos não-cristãos, estrangeiros, etc.); e pensam que Direitos Humanos é defesa de bandidos. Mas isso é problema? A Quem pertence o direito à vida (Gn 2:7; Ec 12:7)? E o que a Bíblia quer dizer quando fala sobre perdoar os inimigos e a acepção de pessoas (Mt 5:43-47; Tg 2:8,9[6])? Sim! A Bíblia fala mesmo sobre a espada da lei que justamente fere os que desobedecem, mas isso é uma carta branca para que julguemos e determinemos a morte de alguém (Mt 26:52; Rm 13:1-6[7]; Rm 12:18-21)? Defendem também o individualismo - o contrário do comunismo -; Cristo era individualista (Lc 9:12-17)? O extremismo na defesa de direitos individuais demonstra, na prática, ser tão perigoso quanto a criminalidade em si (Pr 28:16; Ez 22:12).
    Outro problema muito sério do cristão-cidadão em relação à política é a prática do governismo, ou seja, a defesa do governo sem considerar se ele está governando de acordo com os princípios que possam ser tolerados pelo cristianismo ou não. São pessoas do tipo: “Não critique, não reclame, não questione, não fale porque rebelião é pecado!” De fato, as Sagradas Escrituras nos ensinam que devemos ser obedientes às autoridades (1ª Pe 2:13); porém, nos alertam também que não podemos compactuar com aquilo que venha a ferir os princípios sagrados determinados por Deus (Tg 1:27), dentre os quais está incluída a luta contra a corrupção, o que envolve a defesa da prática da honestidade (2ª Co 8:21; Fp 4:8; 1ª Pe 2:11,12), do combate à pobreza (At 6:1-3; 1ª Tm 6:17-19), da luta pela decência moral (Tt 2:7,8), da acessibilidade à educação (Pr 1:2-6), enfim, do exercício dos direitos iguais (Ec 5:9-11). Obedecer ao homem é necessário, desde que suas leis não desrespeitem às leis divinas (At 5:28,29).
    Outro perigo é o oposicionismo. Defender as leis divinas não significa tentar se isolar como se não vivêssemos nesse mundo (Jo 17:15,16); afinal, nossa “cidadania cristã” (Fp 3:20) não nos torna seres sobrenaturais, mas apenas pessoas comuns que creem e vivem o sobrenatural (Fp 3:21; Lc 10:17-20). O pensamento oposicionista tende a tornar o cristão uma pessoa insociável[8] que vê o pecado - ou o Diabo - em tudo e não consegue diferenciar entre o certo e o errado sem generalizar cada situação. É daí que nascem várias teorias conspiratórias[9], as quais, quase que generalizadamente, se resumem em pregar a existência do paganismo[10] em todas as ações dos governos ou pessoas e empresas ligadas à ele. Mas, qual é o problema nisso? O grande problema nisso é que em vez de simplesmente ajudar a alertar a população contra a corrupção governamental, acaba é incitando o povo contra as autoridades por meio da criação de revolta e pânico, podendo gerar protestos que por muitas vezes terminam em atos violentos: verdadeiros atos de rebelião. Assim sendo, devemos então concordar com o “domínio maligno do poder”? Obviamente que não! Porém, essa é uma luta que começa no campo espiritual (Ef 6:11,12) e é travada a nível individual (Ef 6:13), pois se o mundo jaz no maligno (1ª Jo 5:19), o que podemos fazer é viver cada um com sua fé buscando para si próprio uma vida tranquila em meio à tanta turbulência (1ª Jo 5:8,9); é claro que temos que pregar a paz, mas fazemos isso tendo consciência de que nem todos darão ouvidos à voz de Deus (2ª Tm 3:1-5).
    É também comum nos depararmos com o grupo “Tanto fez, tanto faz! Minha participação não vai mudar nada mesmo!”. O neutralismo demonstra, na prática, um conformismo com tudo, o qual faz a pessoa achar que não pode ou não deve interferir em nada porque essa é a vontade de Deus; mas a Bíblia ensina o contrário, né? Pois, mesmo não aprovando, Ele permite que o homem faça escolhas (1º Sm 8:4-10,17-20). Não há, logicamente, a necessidade de nos engajarmos em causas políticas e fazer disso a nossa razão de viver, mas isso também não significa que devamos cruzar os braços e fingir que não estamos vendo nada. As Escrituras são claras ao afirmar que a omissão é um pecado (Tg 4:17). Isso significa que enquanto vivemos aqui somos parte desse mundo e devemos sim de alguma maneira tentar torna-lo um lugar melhor para se viver. Afinal, quem é capaz de ficar num ambiente sujo sem pelo menos pegar uma flanela e tirar nem que seja o pozinho do lugar aonde está sentado? O envolvimento possui vários níveis ou dimensões, mas é impossível a um ser humano em seu perfeito juízo não se envolver socialmente, mesmo que seja contribuindo simplesmente com suas opiniões, fazendo críticas ou comentários que, ao ser ver, sejam construtivas para a melhoria do ambiente em que vive. Se envolver socialmente é também uma forma de amar ao próximo (Lv 23:22). Certamente que confiar no homem não é tarefa fácil, mas precisamos avaliar, discernir e julgar (1ª Ts 5:21; Mt 7:16,17).
    Socialmente falando, o cristão possui uma missão a cumprir, a qual não o permite excluir-se politicamente. O que se deve é ter um grande cuidado para não tornar-se adepto ao partidarismo[11], pois nosso compromisso não é com partido e nem com seus representantes, mas com a verdade. Quando votamos ou nos candidatamos, assumimos compromisso com toda a sociedade, mediante à prática dos valores ensinados pela Palavra de Deus (Mt 5:16), cuidando para que devidamente se exerça nossos direitos garantidos pelo Estado Laico[12]. Religião e política sempre caminharam lado a lado desde o princípio, pois quando o povo israelita passou a peregrinar pelo deserto, Ele estabeleceu regras de convívio social e, ao longo da história, muitas são as passagens bíblicas que mostram profetas nos palácios orientando os reis (2º Rs 3:10-12; Jr 37:3,4); o próprio Jesus expressou sua insatisfação sobre a liderança política que o perseguia (Lc 13:31,32[13] [14]). É claro que isso também tem o seu lado negativo, pois essa mistura também tem sido a razão de vários conflitos e morte, mas isso é culpa do próprio ser humano ao usar o nome de Deus em sua ganância por poder. Nesse caso há a necessidade de se usar a política para se combater os maus políticos, e isso se dá por meio da prévia análise antes de ceder seu voto ou apoio e filiação a determinado partido ou candidato. O mito de que todo político é ladrão é falso, totalmente discriminatório, pois há sim ainda pessoas bem intencionadas que não se deixaram contaminar pela podridão do sistema. De fato é sim muito difícil saber quem é quem, mas como verdadeiros crentes temos a obrigação de seguir a regra mais básica na escolha política: discernimento espiritual e racional - oração e análise bíblica dos projetos -. Outro ponto importante a se observar aí é a questão perigo da transformação de púlpitos e palanques e vice-versa, pois nessa mistura muitos se deixam enganar, e vários líderes ministeriais acabam cometendo um erro gravíssimo: a imposição do voto de cabresto[15], assim transformando os fiéis em meros objetos para a eleição de seus candidatos, classificando-os como rebeldes se assim não os obedecerem; mas a Bíblia também fala sobre esse tipo de atitude (2ª Pe 2:3). Concluindo, não importa qual seja seu nível de envolvimento político, mas faça isso com a consciência limpa estando ciente de que está fazendo - ou tentando fazer - o que é melhor para a Igreja, a sociedade, a sua família e a si próprio. Fazendo o bem ao próximo, o estamos fazendo ao próprio Deus (Mt 25:35-45). E o principal de tudo é: confiemos primeiramente em Deus e não no homem (Nm 23:19; Sl 20:7).


[1]Esquerda: Politicamente falando, esse termo foi criado durante a Revolução Francesa (1789 - 1799), referindo-se ao lado do parlamento em que os políticos se sentavam. À esquerda se sentavam aqueles que defendiam uma maior igualdade social: aqueles que representavam as classes menos favorecidas.
[2]Direita: Politicamente falando, esse termo foi criado durante a Revolução Francesa (1789 - 1799), referindo-se ao lado do parlamento em que os políticos se sentavam. À direita se sentavam aqueles que defendiam direitos mais favoráveis à elite social ou interesses individuais.
[3]Sufrágio: Processo de escolha por votação; Eleição. Voto em uma eleição.
[4]Peregrino: Aquele que peregrina. O que empreende longas viagens, ficando em vários lugares por determinado período de tempo sem poder ser considerado morador dos mesmos.
[5]Comunismo: Do latim communis (comum, universal), sua característica é uma ideologia política e socioeconômica, que visa estabelecer uma sociedade igualitária em que não haja classes sociais diferenciadas, que seja apátrida (sem nacionalidade), baseada na propriedade comum dos meios de produção.
[6]Redarguido: Repreendido, replicado, respondido.
[7]Magistrado: Autoridade pública.
[8]Insociável: O que foge ao convívio social; misantropo, solitário, retraído. De difícil convivência; intratável, incômodo, importuno.
[9]Teoria Conspiratória: Teoria da conspiração se refere à forma de se entender ou se explicar qualquer coisa, tendo como "certeza" o fato de que sua origem é secreta e parte de um plano conspiratório. Essas teorias são uma tentativa de explicar algo que não tenha explicação, ou argumentar que a explicação oficialmente declarada não condiz com a verdade.
[10]Paganismo: Conjunto dos não batizados; gentilidade, gentilismo. Religião em que se cultuam muitos deuses; etnicismo, gentilidade, gentilismo, politeísmo.
[11]Partidarismo: Fanatismo partidário; facciosismo político. Aquele que defende a bandeira de um partido ou um representante político em vez situações em particular.
[12]Laico: Secularidade; secular. Que não tem religião definida; sem religião. É um conceito que denota a ausência de envolvimento religioso em assuntos governamentais.
[13]Fariseus: Em hebraico significa “separados”. Judeus devotos ao Pentateuco. Participavam das reuniões legislativas da sinagoga. Formavam um grupo de fanáticos e hipócritas (o que não era o caso de todos, pois haviam exceções, como era o caso de Gamaliel que defendeu os apóstolos que estavam presos por pregarem a Palavra (At 5:34-38)) que se opuseram duramente contra Jesus Cristo. Segundo a história, nessa época, eles eram aproximadamente 6 mil pessoas.
[14]Herodes: Nome comum de vários reis Idumeus que governaram a Palestina de 37 a.C. até 70 dC. 1- Herodes, o Grande (37 a 4 a.C.), construiu Cesaréia, reconstruiu o Templo e mandou matar as criancinhas em Belém (Mt 2:1-18). Quando morreu, o seu reino foi dividido entre os seus três filhos: Arquelau, Antipas e Filipe. 2- Arquelau governou a Judéia, Samaria e Iduméia de 4 a.C. a 6 d.C. (Mt 2:22). 3- Herodes Antipas governou a Galiléia e a Peréia de 4 a.C. a 39 d.C. Foi ele quem mandou matar João Batista (Mt 14:1-12). Jesus o chamou de "raposa" (Lc 13:32). 4- Filipe, Tetrarca (rei que governava a quarta parte de um reino) que governou bem, de 4 aC. a 34 d.C., a região que ficava a nordeste do lago da Galiléia, isto é, Ituréia, Gaulanites, Batanéia, Traconites e Auranites (Lc 3:1). 5-Herodes Agripa I governou, de 41 a 44 d.C., toda a Palestina, como havia feito Herodes, o Grande, seu avô. Esse Agripa mandou matar Tiago (At 12:1-23). 6- Herodes Agripa II governou o mesmo território que Filipe havia governado (50-70 d.C.). Paulo compareceu perante esse Agripa (At 25:13-26:32).
[15]Voto de Cabresto: Sistema tradicional de controle de poder político através do abuso de autoridade, compra de votos ou utilização da máquina pública. Prática muito comum nos meios mais pobres. Nas igrejas, as vezes é praticado por alguns pastores que coagem seus membros a votarem em determinados candidatos, alegando que os que assim não fizerem estão em desobediência; dessa forma, chegam até mesmo a proibir que fiéis que não tenham sido escolhidos pela administração ministerial se candidatem a cargos políticos para não atrapalharem seus representantes.