Como cristãos, geralmente aprendemos que
somos abençoados e que nenhum mal pode nos atingir. Mas para compreender isso é
necessário saber até que ponto as promessas divinas deixam de ser materiais e
passam a ser somente espirituais, e também quais são as condições para isso. O
defeito de muitos é achar que são “ungidos intocáveis” encarando qualquer problema
como sendo maldição ou castigo, não considerando os propósitos de Deus, os
quais, muitas vezes, sejam quais forem seus motivos, consistem em duras provas
até mesmo sobre os mais fiéis dos seus servos; lembra do exemplo de Jó (Jó 1:8,12; 2:6)? O maior teste de fidelidade de um
crente não é quando ele é colocado diante de um difícil trabalho a realizar na
Obra ou desafiado a fazer um grande “sacrifício”, mas sim quando ele se
encontra numa situação de adversidade e ora clamando ao Senhor por uma solução
e, quando não tem o silêncio como resposta, somente recebe o seguinte consolo:
“A minha graça te basta!”. Isso foi o
que aconteceu com o apóstolo Paulo (2ª Co 12:8,9):
foi isso que Deus lhe disse depois de ele ter orado três vezes sobre algo que o
afligia, dando-lhe como promessa apenas uma certeza: “O meu poder se aperfeiçoa na fraqueza!”. Ao ouvir essas afirmações,
Paulo não entrou em desespero e nem desanimou, sua atitude foi aceitar a
vontade de Deus dizendo: “De boa vontade,
pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de
Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias[1], nas necessidades, nas perseguições,
nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando estou fraco, então, sou forte!”.
Com essas palavras ele quis dizer que quando o crente confia em Deus e conhece
a sua voz, não teme as adversidades e nem desanima diante dos obstáculos nem
mesmo perante as mais difíceis circunstâncias, pois não tem a si mesmo como o
mais precioso e dá prioridade aos interesses do Reino de Deus, tendo como maior
prazer a sensação de dever cumprido em sua condição de servo, sabendo que a
maior vitória não está no mundo material, mas no espiritual.
Tanto nesse texto como em outras epístolas,
Paulo nos ensina várias lições de extrema importância de como lidar com aquela
difícil sensação de derrota de quando oramos e não alcançamos o que queremos ou
precisamos. Algumas dessas lições são:
a) A
vontade de Deus deve estar em primeiro lugar (Ef 6:6);
b) O
crente que está firme em Cristo se gloria por padecer pelo nome dEle (Rm 5:3-5);
c) Ser
usado pelo Senhor, mesmo que de forma sofrida, é um privilégio e não uma
derrota (2ª Co 12:15[2]);
d) A
humildade no cumprimento dos propósitos divinos, para o verdadeiro fiel, proporciona
poder espiritual e não complexo de inferioridade (Cl
1:24,25[3]);
e) Agradar
a Cristo sem questionar em meio as dificuldades não significa aceitar a
derrota, mas sim ser submisso a sua soberania confiando em sua graça,
misericórdia e justiça (2ª Co 4:16,17);
f) Nossa
verdadeira força não está naquilo que Ele nos dá, mas naquilo em que Ele nos
transforma quando nEle somos fortalecidos (2ª Co 4:18).
Para conseguir compreender e aceitar uma
resposta aparentemente negativa de Deus, o cristão precisa ser dotado de
algumas virtudes tais como fé para crer que Ele está no controle, perseverança
para lutar constantemente por uma solução, discernimento para entender se é
mesmo Deus quem o está provando ou se a fonte do seu problema é carnal ou
maligna, conhecimento para proceder prudentemente diante da dificuldade,
humildade para reconhecer sua fragilidade e dependência do Todo-Poderoso e
convicção da sua salvação para considerar que vale a pena enfrentar qualquer
infortúnio em nome dos propósitos divinos (Mt 5:10-12[4]).
Apenas quem está verdadeiramente na
presença de Deus sabe o quanto é valioso poder contar com a sua maravilhosa
Graça. O que para os evangélicos triunfalistas do “evangelho moderno” é
sinônimo de conformismo e privação de bênçãos, para o verdadeiro crente
significa ousadia e confiança através do fortalecimento daquEle que tudo pode.
Pois quem tem a certeza de estar, mesmo com suas falhas, em real comunhão com o
Senhor sabe que tudo o que acontece contribui para o seu bem, resultando no
melhor para ele (Rm 8:28), entendendo ainda que
esse “melhor” pode muitas vezes não significar conforto financeiro, saúde perfeita
e felicidade sentimental, mas sim oportunidades e condições de, através de seus
dons, ser um autêntico colaborador participante da expansão do Reino de Deus,
ajudando a resgatar almas das mãos do inimigo. Uma das coisas que o crente
aprende em suas experiências na caminhada com Cristo - isso para aquele que realmente caminha com Cristo - é ser cada vez
mais confiante pelo fato de saber que o Senhor conhece os seus limites e quer o
seu bem (1ª Co 10:13).
Quem está realmente edificado
espiritualmente não ora determinando suas bênçãos, porque tem a reverência e a
sensatez de pedir ao Senhor que tudo faça conforme a sua vontade. Isso não é apenas um sinal de respeito, mas
também uma forma de reconhecer a soberania de Deus sobre a sua vida. O determinismo[5] é
um ato abominável[6]
aos olhos do Senhor porque passa a impressão de que Deus é sujeito ao homem e
não o homem sujeito a Deus. Essa prática tem formado uma geração de “adoradores”
iludidos com um falso evangelho, sobre o qual, quando abrem os olhos, muitas
vezes, se decepcionam e abandonam sua fé, pois a mesma estava fundamentada em
homens, os quais, incentivando a declarar, exigir, decretar e profetizar
bênçãos (2ª Pe 1:21), prometeram satisfazer suas
necessidades e desejos materiais, ensinando que não se deve aceitar nenhum tipo
de aflição, assim contrariando totalmente os ensinamentos das Escrituras
Sagradas (Jo 16:33). Sendo a realização da
satisfação pessoal sua real intenção da “aproximação” de Deus, quando se veem
frustrados em seus objetivos, muitos revoltam-se com a igreja tornando-se
inimigos dela. Para as vítimas desses falsos ensinamentos, a única solução é
lembrarem que, primeiramente, deve-se olhar para Cristo e não para o homem e,
depois, devem entender que é necessário que se apegue à Palavra de Deus
compreendendo seu real conteúdo, o qual ensina que o importante não é livrar-se
dos problemas, mas ser vencedor em meio a eles. Isso sim é um grande milagre e
também a maior prova de que é verdadeiramente possível viver pela fé: a
confiança e a dependência de Deus.
E não podemos nos esquecer que isso também
aconteceu com o próprio Jesus Cristo (Lc 22:42-44[7]).
Em um momento de terrível agonia Ele não se impôs, nem se sentiu um derrotado e
tampouco desistiu de orar. Pelo contrário, colocou a soberania divina acima da
sua vontade e, num grande gesto de humilhação (Fp 2:8),
mesmo com o aumento da aflição, colocou-se a orar ainda mais. Sabe qual foi o
resultado disso? Ele foi fortalecido por um anjo do céu, recebeu graça para
suportar todo o sofrimento que estava por vir na cruz e, finalmente, foi tremendamente
honrado em sua gloriosa glorificação na qual Ele foi mais que vencedor (Fp 2:9-11). O que podemos aprender com isso? O incomparável
exemplo de Cristo nos mostra que quando nos lançamos aos pés do Senhor
depositando toda nossa confiança nEle, nossa oração nem sempre é atendida da
maneira que esperamos, mas sim da forma a qual Ele sabe que é a melhor para que
os seus propósitos - e não os nossos
- sejam cumpridos. E quando somos compreensivos e obedientes ao seu modo de
agir, a vitória, que nem sempre se manifesta materialmente, é inevitável. Assim
como o apóstolo Paulo orava em meio as aflições e recebia mais bênçãos
espirituais do que materiais, Jesus também recebeu sua maior vitória no céu e
não na terra, pois seu corpo físico não foi poupado e, morrendo, ele foi
declarado vencedor sobre a própria morte (2ª Tm 1:10).
Ironia? Não! Essa é apenas uma das formas de Deus trabalhar. Aparentes derrotas
não significam que Ele não esteja ouvindo suas orações, mas sim que o caminho
dEle não é igual ao teu (Is 55:8,9). Se você tem
plena convicção de que está em comunhão espiritual, não há porque duvidar de
que Ele esteja te ouvindo (Is 55:6,7; 2º Cr 7:14).
[1]Injúria: Ofensa.
[2]Alma: A parte não-material e imortal
do ser humano (Mt 10:28), sede da consciência própria, da razão, dos
sentimentos e das emoções (Gn 42:21). Os dicotomistas entendem que o ser humano
é corpo e alma, sendo espírito sinônimo de alma. Os tricotomistas acreditam que
o ser humano é corpo, alma e espírito. "Alma vivente" quer dizer
"ser vivo" (Gn 2:7). Na Bíblia, muitas vezes, a palavra
"alma" é empregada em lugar do pronome pessoal significando
"vida". (Sl 22.20), e, outras vezes, quer dizer "pessoa"
(Êx 1:5).
[3]Dispensação: Da parte de Deus, o
plano de salvação da humanidade (Ef 1:10; 3:9). Da parte do ser humano,
"dispensação" é trabalho ou missão que visa à aplicação do plano
divino em favor da humanidade (1ª Co 9:17; Ef 3:2; Cl 1:25).
[4]Exultar: Alegrar-se, regozijar-se.
[5]Determinismo: Prática
comum no meio evangélico moderno, a qual pode ser considerada herética devido
ao fato de expressar a ideia de que o homem tem poder para determinar bênçãos
ou maldições de acordo com sua própria vontade por meio de “palavras
proféticas”. Esse tipo de pensamento é uma forma de autopromoção daqueles que
se dizem “profetas de Deus”.
[6]Abominável: Impuro, nojento, repulsivo, reprovável, maldito.
[7]Cálice: Linguagem figurada que representa uma porção ou experiência de alguém,
seja prazenteira ou adversa. Designações divinas, sejam favoráveis ou desfavoráveis.
Comparável a um cálice que Deus apresenta a alguém para beber: tanto de
prosperidade, como de adversidade.
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